Partindo de o pressuposto ditado “ver para crer” que surgiu durante uma das minhas sessões, o debate voltou-se para o que deve acontecer primeiro: Se preciso ver para acreditar que algo é real/verdadeiro ou, se por outro lado, primeiro necessito de acreditar que ele existe, é real para conseguir vê-lo/senti-lo.
Sem querer entrar em discussões filosóficas ou religiosas, a ideia apesar de simples, é bastante complexa quando aplicada à psicologia, uma vez que a maioria de nós precisa de ver ou por outro, sentir para acreditar que a depressão, a ansiedade ou a compulsão existe de verdade e causa sofrimento. Não basta dar umas palmadinhas nas costas e dizer “não te preocupes, isso passa” ou “não te preocupes, isso é só da tua cabeça” quando a situação está a ser vivida por nós as coisas mudam de figura.
Voltando à sessão e ao debate que entretanto se instalou em torno do que se estava a passar exatamente no momento presente: Uma pessoa que “se vê” no seu passado como forte e capaz de gerir as situações mais complexas da sua vida, desde superar a morte de um ente querido, um divórcio e mais tarde quando parecia que finalmente podia recomeçar uma vida a dois em pleno, surge o diagnóstico de doença grave do companheiro.
Uma pessoa que sempre encarou as dificuldades como desafios, sempre arregaçou as mangas e nunca colocou a hipótese de desistir fosse sobre o que fosse, nunca acreditou que a depressão fosse algo assim tão difícil de lidar, agora no presente a sensação e o olhar sobre a problemática é outra.
Com o diagnóstico do companheiro expressa o quanto no início sentiu uma revolta imensa, uma raiva que descreve como por vezes egoísta “parece que até sentia raiva dele, quando eu sei que ele não teve culpa nenhuma, não podia ter culpa da sua doença…”, depois o questionamento “porquê agora? Depois de tudo o que já passei”, por vezes a negação, a apatia e as distorções no pensamento “comecei a sentir que não-valia me esforçar para nada pois por certo, a seguir algo de errado vai acontecer”.
Quando deu por si vazia por dentro, algo que nunca na vida pensou sentir, olhava-se ao espelho “e não me reconhecia, comecei a ver uma mulher sem vida, uma mulher magra e sem vontade de viver. A doença dele também deu cabo de mim. Achei que estava a ficar maluca, senti que havia perdido o controlo sobre a minha vida. Nem para ele eu estava disponível, quando sei que ele precisava de mim naquele momento”.
Quando chegou à primeira sessão não foi difícil perceber o que se estava a passar, apesar de tender a camuflar as suas ideias e emoções, aos poucos foi conseguindo colocar por palavras o que lhe ia nos pensamentos.
Após algumas sessões foi possível chegar ao cerne da questão: a depressão que se instalara profundamente em si e o impacto que ela demonstrara ter na sua vida. Após vários meses de baixa, onde se trancava em casa, quase perdeu o emprego que tinha na altura. Emocionada na sessão de hoje, acaba por contar “deixei de fazer a minha higiene pessoal, eu que sempre me cuidei, ia ao cabeleireiro todos os meses e fazia umas massagens de vez enquanto, cheguei a não me levantar da cama dias seguidos. Lembro-me de questionar sobre o porquê de estar viva e como é que aquele homem ainda podia gostar de mim. Fazia o mínimo em casa, não conseguia ver televisão ou pegar num livro, eu que gostava tanto de ler. Deixei de falar com as pessoas, com os meus amigos, não queria que me vissem assim e eu não sabia o que estava a acontecer”.

O que os Olhos Não Veem a Cabeça Imagina
Somos levados à tentação de não acreditar em algo que existe, meramente porque nunca passámos por isso, até acontecer. E aí, nesse instante, começamos a valorizar algo que desconhecíamos por completo: superar a dor que não sabemos como começa ou como havemos de a explicar. Na nossa cabeça passam coisas, pensamentos que não sabemos de onde vêm onde estavam e o que andam a fazer. Sentimo-nos fragmentados e confusos, na verdade sentimo-nos estranhos sem saber porquê.
Este pequeno relato que vos trouxe, obviamente consentido, é um pequeno exemplo de como uma pessoa formada, capacitada, com garra e que apesar de tudo isso…nunca se imaginou numa situação delicada como a que viveu, uma depressão que a fez ver algo em que nunca acreditou, nunca conseguiu compreender, até que o seu próprio reflexo no seu espelho naquele a fez olhar para dentro se si e aceitar “vou ter de procurar ajuda” e foi assim que os nossos caminhos se cruzaram.
Se pensa que uma intervenção psicológica dura a vida inteira, não é de todo verdade. Ela dura o tempo necessário até que se sinta seguro/a o suficiente para seguir o seu caminho. Nenhum terapeuta deseja ficar com os seus clientes para sempre, ninguém quer mais a sua recuperação do que o seu psicólogo/a, acredite.
Não deixe para depois algo que pode fazer agora. Quanto mais cedo começar o trabalho terapêutico, por muito duro que possa parecer (e por vezes é…) mais cedo poderá sentir-se bem consigo mesmo, no rumo que escolher seguir. Não deixe de procurar ajuda profissional.