Os acontecimentos de vida negativos certamente continuarão a aparecer e a deixar a sua marca. É a lei natural das coisas, porém temos sempre uma tendência para assumir que o que é mau, tem tendência a piorar.
Não é de admirar que estejamos em alerta permanente. Das muitas análises feitas pela área da psicologia é prova humana que temos uma maior predisposição para registar eventos negativos com mais facilidade e insistir neles por mais tempo, com recurso à negatividade e melancolia ou tristeza associadas.
Como observou o psicólogo Rick Hanson “A mente é como velcro para experiências negativas e Teflon* para experiências positivas.”
As razões para tal acontecer são evolutivas. Desde a antiguidade que um ambiente perigoso dos nossos ancestrais levava a uma hipervigilância em relação às ameaças. Mais tarde, mesmo em ambientes mais seguros a tendência permanecia num alerta máximo de proteção.
Agora, é verdade que o ambiente que ocupamos hoje difere muito do nosso ambiente ancestral. O mundo é em geral muito mais seguro do que tem sido, historicamente. Para a maioria de nós, ameaças mortais imediatas e existenciais não são uma realidade diária. Apesar da atual situação epidémica que tem abalado o mundo nos deixar um pouco mais atentos a essa realidade.
Porque Esperamos Sempre que o Pior aconteça?
Os seres humanos são complexos. O que a história de ‘negatividade’ tende a omitir é que, enquanto a nossa atenção de curto prazo é direcionada à negatividade, a nossa memória de longo prazo é influenciada decisivamente, na outra direção.
De fato, um grande conjunto de pesquisas aponta para a existência de um viés cognitivo positivo em humanos que se expressa de várias maneiras. Por exemplo, a maioria das pessoas se diz feliz ao invés de infeliz.
As pessoas tendem a relatar eventos mais positivos que negativos sobre as suas vidas, em parte porque procuramos eventos positivos e tentamos evitar eventos negativos. Por outro lado, também porque, o efeito negativo tende a desaparecer com o tempo (para o bem da nossa sanidade mental!).
Não é em vão que se usa a expressão “dar tempo ao tempo” quando estamos perante um evento de vida negativo, pois com o passar do tempo as memórias vão se desvanecendo e transformando numa dor menos intensa. Isso não quer dizer que deixou em definitivo de doer, porém a menor intensidade é propicia à capacidade de superação.
A maioria das pessoas também tem expectativas futuras mais positivas do que negativas. Os seres humanos, em geral, tendem a abordar as novas situações (e pessoas) que esperam resultados positivos e tendem a considerar-se melhores que a média nas características mais positivas.
Enquanto o nosso viés de negatividade ajuda como “defesa”, protegendo-nos de danos, o viés de positividade ajuda-nos a “atacar” , isto é, a explorar novos horizontes e expandir o nosso conhecimento e alcance. As expectativas positivas tendem a afetar o nosso esforço e, consequentemente, o resultado, positivamente. Isso é conhecido como o Efeito Pigmalião.
O Efeito Pigmaleão
O Efeito Pigmaleão, também conhecido como Efeito Rosenthal, refere-se ao fenômeno que ocorre quando as pessoas melhoram o seu desempenho quando os outros têm altas expectativas delas (Azevedo, 2015).
O melhor exemplo que se pode dar sobre este efeito é no contexto escolar: nas muitas investigações realizadas foi possível compreender que sempre que um professor tinha altas expetativas de um aluno, esse aluno também melhorava consideravelmente.
Tal resultado no facto das expectativas das outras pessoas influenciarem o nosso comportamento, sem darmos conta disso. A nossa tendência será ir de encontro às expetativas transmitidas pelos outros seja no contexto escolar, profissional ou até mesmo familiar.
O ‘Lado Negro’ da Positividade
Esse lado sombrio de nosso viés de positividade também é um fator na nossa resposta atual à pandemia de coronavírus. Pela maioria das previsões consideradas, o pior desta pandemia ainda está à nossa frente. À medida que as pessoas retornam ao trabalho e à socialização, e na ausência de uma vacina ou medicamentos eficazes, a doença e a morte tendem a aumentar em breve.
Quando isso acontecer, também podemos esperar que as pessoas relutem em voltar à quarentena, porque a novidade do medo desapareceu, por causa da fadiga de isolamento e por causa das perdas econômicas resultantes. A época balnear, a luz, o calor e o sol são estimulantes naturais da felicidade o que é contraproducente com o frio, os dias cinzentos e a melancolia instalada há 2 ou meses atrás.
Em parte devido ao nosso viés de positividade, esse cenário previsível no futuro próximo é difícil de imaginar, aceitar e preparar. Infelizmente, o fato de estarmos cansados do esforço de nos proteger não significa que o perigo diminuiu.
O Melhor a Fazer Nesta Altura
Em momentos como estes, faremos bem em reconhecer os nossos preconceitos de negatividade e positividade, permanecer conscientes das suas implicações e procurar formar e agir com base numa imagem precisa e clara da nossa situação e do que ela exige de nós. Ignorar os fatos menos positivos não os torna menos maus; a simples reclamação não impedirá que as coisas piorem.
Mais do que reclamar é importante agir equilibradamente.
Como dissemos no inicio deste artigo, a nossa tendência natural é assumir que o pior estará sempre para vir. No entanto, isso não quer dizer que sejamos capazes de fugir à tentação de viver uma vida feliz! A vida que todos merecemos viver e procuramos diariamente.
*material para revestimento.
Retirado e adaptado de Shpancer, N. (2020) The Worst Is Yet to Come em Psychology Today; artigo de Tiago Azevedo (2015). Efeito Pigmaleão em Psicoativo.