Uma Espécie de Luto Mas, Só Que Não!

Iniciar uma relação com alguém implica “à partida” uma forte empatia, uma ligação que se vai ajustando, que faz sentido e faz sentir. Numa relação terapêutica, tão específica, com regras em princípio bem esclarecidas entre as partes está em jogo uma carga elevada de empatia e sobretudo, de confiança.

Sem esse peso da confiança que deve ser de duplo sentido, uma relação no contexto terapêutico pode espelhar as suas fragilidades. Por um lado, sabemos que estar do outro lado da cadeira não é fácil, assim como não o é do lado de cá. Não se pode dizer que um elemento domina o outro, mas também não se pode considerar que esta é uma relação simétrica do ponto de vista da relação. Porque não o é de todo.

Estabelecer uma relação com um cliente é em primeiro lugar estabelecer uma relação com a pessoa em si mesma. Com tudo o que ela tiver de mais positivo e mais negativo para nos brindar. É abraçar e vivenciar os seus problemas à luz das suas convicções, da sua ansiedade e das suas expetativas. Por vezes, também é “dançar” ao sabor da sua derrota e viver intensamente as suas conquistas. Porém, quando esse laço é rompido de forma abrupta é sinal da existência de um pré-desconforto que não foi identificado ou não terá sido levado para o tema das sessões.

Quando esse pré-desconforto começa a submergir é necessário falar dele abertamente.

O desconforto é uma palavra provocadora, contudo ela deve ser usada como muitas outras que nos atingem no nosso mais ínfimo inconsciente. Quando esse desconforto se torna um hábito generalizado é porque simplesmente algo não corre bem. Mas para que ele venha à superfície podem ocorrer inúmeras razões. Podemos estar a falar de alguém que vendo-se confrontado com os seus próprios limites, não suporta mais esse peso, podemos estar a falar de alguém que dá por reconhecida uma dificuldade mas mesmo assim tem dificuldade em encará-la, podemos estar a falar de alguém que se iludiu com a falta de um resultado. Afinal, podem ocorrer inúmeras razões que justifiquem uma quebra e seguinte rutura da relação terapêutica.

Um “rompimento” é algo que marca sempre as duas partes, mesmo no caso deste tipo de relações onde tempos a clareza evidente que ela é diferente de todas as outras. Esta não é uma relação amorosa, não é uma relação de amizade, não é uma relação de parentesco ou de trabalho, mas é uma relação de cumplicidade e confiança que se vê posta em causa.

Poderá esta rutura igualar-se a um luto?

Do meu ponto de vista posso dizer: próxima disso, mas não exatamente a mesma coisa. Quando um cliente interrompe o processo pela primeira, não é a primeira vez que se sente do lado de cá. Não se comprometer com tarefas, fingir esquecer-se de outras, começa a ser sinal de alguma falta de colaboração, de sentido lógico da ação ou por outro, de envolvimento.

Um cliente não envolvido na tarefa é um não-cliente, é um cliente que boicota o sistema e interfere mais nele do ponto de vista negativo do que positivo. Isto acontece pois para ele não faz sentido o que está a acontecer ou efetivamente, o desenrolar dos acontecimentos não vão de encontro ao esperado. Esta situação é naturalmente aceitável: se algo não me está a fazer sentido, no mínimo tenho o direito de questionar. Sem dúvida! O problema é, quando não se questiona e se opta por uma tomada de decisão no pico da adrenalina das nossas emoções. Primeira regra: nunca tomar qualquer tipo de decisão quando se está “à flor da pele”, pois a nossa perceção do momento e a análise que fazemos é completamente influenciada, isto é deturpada (hiperbolizada e intencionada) pelas emoções.

Mas mesmo assim quando há o direito legitimo de se romper com a relação terapêutica, existe uma sensação de vazio que fica mais patente no seio do profissional. O seu foco, quer queiramos ou não, é a pessoa é o que ela nos trás às sessões, logo não podemos (eu não posso…) negar que se torna num vazio a ausência dessa pessoa. Esse vazio não é necessariamente negativo, pois ele é sentido do ponto de vista técnico e de questionamento: o que terá ocorrido? Por quê agora? Por que não falou antes? Será que não foram criadas condições para tal?

Talvez nunca venha a ter todas estas respostas ainda que possa elencar algumas teorias bem fundamentadas. Para o profissional, este momento pode ser encarado como uma perca que leva ao questionamento próprio da sua ética e aplicabilidade técnica. Não põe em causa o dever de continuar a progredir, não interrompe o processo de construção de carreira mas sem dúvida que permite aprimorar um conjunto de outras aptidões, competências e skills relacionais.

Tal como num processo natural da construção do luto, este é um luto de alavanca emocional para um outro nível de maturidade e crescimento profissional.

Não trocaria esta experiência por nenhuma outra, trabalhar com pessoas e poder contribuir para a sua evolução e ganho de tanto crescimento pessoal é uma experiência enriquecedora que nos obriga a evoluir constantemente à luz do desafio de cada cliente, isto é, de cada pessoa. Diria, fecha-se um ciclo e um novo se inicia.

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