Pode O Desemprego Trazer Algo de Positivo?

Tomei a decisão de escrever este artigo não centralizado no impacto negativo do desemprego, pois essa questão penso que está mais ou menos clara, mas sobretudo abordar de um ponto de vista positivo. Pode parecer irreverente ou até mesmo “out of the box”, contudo a ideia surgiu após a leitura de alguns estudos e através do contato e experiência com algumas pessoas e penso, que podem ser a chave para inspirar e ajudar outras que se encontrem nesta mesma situação.

Todos sabemos que só de pensar em “ficar sem emprego” dá-nos um arrepio na espinha, não só pelas questões económicas, mas porque efetivamente, o trabalho dá-nos muito mais do que somente o poder económico. Muitos dos estudos que se têm debruçado sobre o tema, por exemplo, refletem o impacto que o trabalho tem na vida social de cada pessoa. A possibilidade de obter recursos médicos, de lazer ou realizar compras que aumentem a qualidade de vida tem um peso enorme em cada um de nós. Deste modo, é relativamente fácil aceitar que o trabalho também se relaciona intimamente com o nosso bem-estar geral, o que inclui o corpo e a mente.

Mas é necessário esclarecer um ponto importante, hoje em dia com a mudança do conceito de trabalho e a enorme revolução industrial, o conceito de carreira também se modificou. O fato de ter mudado gera algum desconforto e necessidade de reajuste ao sistema, principalmente pelas gerações mais antigas. Então o que mudou?

Simplificando, quando digo que mudou o conceito de carreira, tem a ver com o fato de hoje em dia não se pensa no trabalho como algo para toda a vida, isto é, começo a trabalhar numa empresa, evoluo gradualmente e espero terminar a minha carreira ai. Hoje em dia, o conceito de carreira é múltiplo e apresenta uma dinâmica de que nem todos conseguem lidar à primeira instância. Hoje em dia, é pouco provável que quem inicie trabalho numa empresa se mantenha “para sempre nela”. No entanto, o mais natural passa por um crescimento pessoal e profissional e mudanças mais ou menos frequentes entre diferentes funções, cargos e entidades empregadoras. Sem me querer alongar é aqui que surge a necessidade de abordar o desemprego do ponto de vista positivo.

A primeira pergunta central é: Como é que ficar desempregado pode ser um ponto positivo na minha vida?

Encarar o desemprego pode ser devastador, contudo muitas vezes existe um sentimento de desgaste, desmotivação e desinteresse profundo pelo trabalho. Ficar desempregado permite sobretudo traçar novos caminhos, ver novas possibilidades e experimentar novas tarefas e ideias.

Certamente já reparou que por vezes surgem notícias nos mass midia sobre a criação de empresas por pessoas que nem trabalhavam na área. Sair da nossa zona de conforto é muito difícil, principalmente no que toca á estabilidade financeira e na insegurança que tal pode causar.

Hoje vou partilhar a história verídica do João (nome fictício) com quem trabalhei em contexto de consulta psicológica durante cerca de 18 meses e penso que poderá ser útil, no sentido de poder levar a questionar as nossas/vossas decisões sobre a premissa: ficar desempregado ou manter-se num emprego que não suporta mais.

O João, um jovem enfermeiro com 45 anos trabalhava numa clinica privada durante cerca de 15 anos. Apesar de gostar das suas tarefas, o ambiente entre colegas e superiores hierárquicos era muito stressante, ao ponto de existirem colegas que preferiam colocar sucessivas baixas do que se apresentarem ao trabalho. Numa mudança de direção e restruturação de empresa, o João ficou desempregado. Desesperado começou a entrar numa espiral de crenças e comportamentos disruptivos, começou a manifestar um quadro depressivo e ansiolítico muito difícil de controlar, e que causava diretamente um impacto negativo na relação amorosa com a companheira. Quando comecei a trabalhar com o João este estava a cerca de 7 meses desempregado, numa casa que dividia com a companheira (esta estava empregada a ganhar o ordenado mínimo).

Quando se deu início ao trabalho psicológico, o João mantinha-se apesar de tudo, bastante proactivo na procura de emprego, chegou mesmo a ir a algumas entrevistas e a passar às segundas fases de seleção, contudo ficava sempre sem um resultado positivo. Começámos a trabalhar em alternativas, o que foi muito difícil, pois o João não se via a fazer mais nada na sua vida e para ele, o sentimento de vergonha e frustração era enorme.

Após aproximadamente 5 sessões, o João começou por abrir o leque da sua capacidade de perspetiva e iniciou um pequeno curso na área da restauração. Após 6 meses tinha conseguido pensar numa alternativa de negócio que passava pela criação e venda de cachorros e hambúrguer numa carrinha. O contato com diferentes pessoas em alguns eventos revelou-se numa força motriz para ir mais além do que tinha projetado inicialmente, fê-lo sobretudo sentir que esta era uma alavanca de crescimento. Hoje em dia, é dono de uma empresa e está presente em muitos eventos e lugares pela europa.

Obviamente, o João teve de tomar muitas decisões importantes na sua vida, algumas delas contra o seu sistema de crenças interno/externo e sair inúmeras vezes da sua zona de conforto. Foi imensamente confrontado pela companheira, pelos pais e pelo irmão. Assumir a decisão de mudar em definitivo o seu rumo profissional, foi difícil gerir. No entanto, aquilo que pensou ser mais difícil de ultrapassar, diz hoje em dia, “foi o melhor que aconteceu”.

Esta é apenas uma história verídica e simples, contudo pode ser a sua. Certamente, nem todos terão como desejo seguir este caminho, mas as decisões e o leque de opções é muito mais vasto do que o que aparentemente conseguimos deslumbrar num primeiro momento. Pensar em alternativas concretas é um bom ponto de partida, mas para atingir objetivos isso não basta, é necessário um planeamento da ação e a criação de uma espécie de mapa pessoal de crescimento pessoal e profissional.

Não é fácil pedir ajuda, mas é importante pedir ajuda às pessoas certas.

A rede de amigos e família pode ser um bom suporte quando nos vemos numa situação de desemprego, estes para além de nos mimarem são capazes de se disponibilizarem em algumas questões logísticas necessárias. Pequenas deslocações para entrevistas profissionais, podem a médio, longo prazo trazer gastos incríveis nas deslocações. Pedir ajuda a amigos e familiares pode ser uma boa alternativa.

Outra dica é na impressão de currículos, só imprima o seu CV caso seja mesmo imprescindível, neste caso também poderá pedir ajuda a um amigo ou familiar que tenha possibilidade de fazer a sua impressão.

Mantenha-se proactivo e mexa-se! Acordar, fazer a sua higiene pessoal e sair à rua, nem que seja por breves momentos ajuda a clarificar ideias e a criar outras que podem, quem sabe mais tarde, ser-lhe uteis. Não fique preso à sua casa, na sua zona de conforto, saia para caminhar e para estar um pouco com os amigos. Procure ler coisas do seu interesse, fazer pesquisas e procurar alternativas, pode faze-lo com recurso ao uso de internet fora de casa, num centro comercial, num café ou na biblioteca. Hoje em dia, existem muitos locais com acesso à Internet e um simples smartphone permite faze-lo. Como alternativa, tem ainda a possibilidade de uso de alguns Tablet que se encontram disponíveis em centro comerciais ou lojas específicas.

Oiça música e relaxe a mente, nada pode ser pior do que uma mente “atafulhada” com lixo.

Não desespere! Sei que esta expressão é muito fácil de usar, mas é mesmo muito útil ter noção do quanto ela pode prejudica-lo. Querer resolver os problemas sem pensar primeiro neles e em várias alternativas diferentes, pode fazer-nos desacreditar nas nossas capacidades intelectuais e outras skills.

É preciso ter em atenção o seguinte, quando estamos numa crise emocional a nossa capacidade de reflexão e tomada de decisão diminui drasticamente. É essa a razão que nos leva a chamar a atenção para a importância de relaxar a mente e só depois se debruçar sobre o trabalho e foco de procurar alternativas, com a realização de um planeamento concreto. Tentar tomar decisões numa crise emocional (que é muitas vezes o resultado do estado de se estar sem emprego), pode ser ainda mais prejudicial à saúde física e mental.

Almeida, J. (2015). Do desemprego ao emprego por conta própria: Estrutura e agência de desigualdades, Centro de estudos sociais da Universidade de Coimbra In Revista Brasileira de Orientação Profissional, vol. 16, 2, 231-241.

Dimas, I. M., Pereira, M. D., & Canavarro, M. C. (2013). Ajustamento psicossocial, ajustamento diádico e resiliência no contexto de desemprego in Análise Psicológica.

Pereira, P. (2015). O Impacto do desemprego na saúde física e psicológica. Universidade de Coimbra (FPCE).

Marçano, M. (2018). Desemprego e empreendedorismo: que relação? Lisboa: Business & Economics School (ISG).

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