Porque é que as pessoas mentem ao seu próprio terapeuta se (ainda por cima) estão a pagar por isso? Qual é o ganho? Que sentido é que isso tem?
Segundo um estudo publicado em 2016 pelo Counseling Psychology Quarterly, dos 547 clientes em processo psicoterapêutico, 93% confirmaram que em determinadas fases do processo mentiram ao seu terapeuta. Sabemos, no entanto, que esta questão está relacionada com o “momento da verdade”, ele nunca é fácil e simples de encarar e por isso nunca é verdadeiramente preto ou branco. De facto, na terapia, o “momento de verdade” é algo que emerge com o tempo, quando há um sentido de respeito, confiança e relação de aliança terapêutica entre o terapeuta e o cliente.
Vergonha e Medo de Julgamento
Duas palavras podem ajudar a compreender melhor, são elas vergonha e medo, principalmente de julgamento.
As razões que levam uma pessoa a mentir ao terapeuta, são regra geral as mesmas que as levam a mentir às pessoas mais próximas de si. As mentiras podem ir desde o abuso de substância, a uma relação sexual ou romântica do qual se sentem mal.
Não Existe Verdade Sem Verdade
Em terapia, as pessoas expressão a sua dor e os seus estados emocionais, partilham memórias e pensamentos. A regra base para a terapia é “dizer o que vier à cabeça”. Mas sabemos que tal é muito mais difícil do que aparenta, principalmente se a pessoa apresenta um historial de traições e dificuldade em acreditar nas pessoas, pelas inúmeras desilusões pelas quais já passou.
É imperativo que se crie uma relação de estabilidade e confiança desde cedo. A pessoa deve sentir que o terapeuta a respeita como ela é e que se encontra totalmente recetivo. É normal que em determinados momentos, a relação entre a pessoa e o terapeuta se torne emocionalmente pesada/carregada. A pessoa pode até ter sentimentos que a fazem pensar que gosta ou detesta o terapeuta. Estas emoções intensas por vezes são complexas de superar, mas elas fazem parte do processo terapêutico.
O terapeuta deve ser capaz de ouvir a pessoa com tranquilidade sem realizar qualquer juízo de valor. Se por acaso se sentir desconfiado ou desconfortável com o seu terapeuta, deve procurar abordar esse tema na sessão. Com o tempo, os sentimentos podem persistir e se não existe confiança entre as partes, talvez seja importante procurar um novo terapeuta.
Um dos aspetos importantes a reter é não generalizar. Podemos ter dificuldade em estabelecer uma relação empática com um terapeuta e com outro sentirmo-nos “às mil maravilhas”, como se nos conhecêssemos desde sempre. No entanto, antes de desistir e procurar mudar é fundamental discutir esse desconforto com o terapeuta. Não nos podemos esquecer que nem sempre a razão está do nosso lado. É apenas através da confiança na relação com o terapeuta que é possível fazer emergir a verdade.
Mentir a Si Próprio
Muitas vezes, a pessoa pode ter a intenção de ser verdadeira, mas pode ainda não estar preparada para aceitar a verdade sobre si mesma ou sobre alguém próximo de si. Todos nós chegamos à terapia com uma narrativa própria sobre nós, com uma ideia sobre quem somos. O que não sabemos é que ao longo do desenvolvimento da terapia, a narrativa começa a mudar e iniciamos um novo modo de encarar a vida, criamos novas ideias sobre nós próprios e sobre os outros, que antes não era possível ver ou compreender.
Sem Pontos Conectados
Algumas pessoas podem ser de menor confiança com o terapeuta, não porque o façam de propósito ou que decidam fazê-lo, mas porque não processaram corretamente traumas passados e encontram-se desconectados com a forma como estes traumas têm afetado o seu próprio comportamento.
A conexão é por si só, um conceito poderoso. Quantas vezes nos sentimos desligados do mundo? Vivemos cada dia para sobreviver, para cumprir rotinas e horários…quando paramos no silêncio apercebemos que mais um mês, um ano passou praticamente sem darmos conta disso num estado de consciência irreal.
Pode a Terapia Ter Eficácia Mesmo Se Está a Mentir?
Como dissemos no início, a verdade nem sempre é preta ou branca. Existem sempre pontos na nossa vida onde nos sentimos desconectados, sem ligação, sendo que umas são mais evidentes do que outras. Podem existir situações demasiado embaraçosas, difíceis, complexas que causam ansiedade mesmo quando nós, isoladamente as abordamos, muito mais difícil é estar preparado para partilhar com o terapeuta.
Se existe alguma coisa da qual não concorda, ou não se sente confortável deve partilhar com o seu terapeuta, explicando que ainda não se sente capaz para o abordar e partilhar em sessão. A seu tempo, esse momento com o terapeuta chegará.
A pessoa e o terapeuta devem em conjunto tentar compreender o que incomoda e causa dor ou o que é difícil de abordar. Em certa altura, irá ocorrer o momento certo em que se sinta confiante o suficiente para ser capaz de partilhar com o seu terapeuta. É importante ter noção que o terapeuta não tem pressa de abordar os temas ou questões. Essa questão da “pressa” não existe para o terapeuta.
Cada aspeto em terapia é trabalhado respeitando o ritmo de cada pessoa. A pressa, muitas vezes é inimiga da terapia, pois ela acrescenta demasiadas expetativas para a pessoa e contribui quase sempre para o aumento da ansiedade. Obviamente, certas situações levam o seu tempo.
Se cada vez mais vai tendo vontade em negar o que o preocupa, é importante abordar esse aspeto com o seu terapeuta, para que em conjunto possam trabalhar a situação. Levantar esse tópico em sessão alivia a carga emocional e abre portas para o início de um novo diálogo.
Traduzido e adaptado de Psychology Today, Sue Kolod, Ph.D. 22, Jan, 2019 https://www.psychologytoday.com/intl/blog/psychoanalysis-unplugged/201901/why-do-people-lie-their-therapists