O que é a Neuroplasticidade ?
A neuroplasticidade é a capacidade flexível (chamemos-lhe assim) que o nosso cérebro dispõe. Por outras palavras, é a capacidade que as diferentes áreas do cérebro dispõem para colmatar certas dificuldades que possam surgir noutras áreas. É ainda a capacidade, e esta sim, onde nos vamos focar, que o cérebro dispõe em transformar determinadas informações armazenadas em outras (normalmente mais positivas ou adptativas). O fato é, sabermos através de inúmeras investigações nos últimos anos que toda e qualquer experiência altera o cérebro de uma forma positiva ou negativa. Todas as nossas experiências, ações, interações, aprendizagens e um infindável leque de coisas influência diretamente o nosso cérebro. Ao afecta-lo, cria determinados inputs que nos fazem ter determinadas reações ou comportamentos (outputs).
Até aqui tudo bem. Então, mas o que tem a neuroplasticidade a ver com a adoção?
O nosso cérebro surge no nosso sistema desde os primeiros momentos a partir da concepção (poucas semanas). Sendo um órgão bastante complexo, este é influenciado por todas as experiências pré e pós natal. Logo desde muito cedo, o cérebro começa a receber os tais inputs e a emitir outputs (comportamento).
Antes da adoção, sabemos que muitas crianças são privadas dos estímulos positivos ou são, perdoem a expressão, “bombardeadas” sistematicamente com estímulos ou situações adversas (maus-tratos, negligencia, stress, pressões). Sabe-se que o cérebro que foi ao longo do tempo, exposto a negligencia ou maus-tratos tem um desenvolvimento deficitário e essa situação piora, se for realizado quando ocorre também as chamadas “janelas de oportunidade” onde se dão novas aprendizagens ou seja, novos circuitos neuronais. Por exemplo, se uma criança for privada durante muito tempo ao estimulo social (estar com os outros, partilhar, conviver), é provável que a criança apresenta dificuldade neuronal para criar os tais outputs favoráveis para saber lidar adequadamente a essa situação, comportando-se de modo assertivo em relação ao estimulo recebido.
Figura 1 – Exemplo do Cérebro de uma criança de 3 anos normal, comparado com o cérebro de outra criança de 3 anos que sofreu negligência severa. Se repararem, o cérebro da criança de 3 anos que não foi negligenciada e exposta a agentes stressores de maior ordem, desenvolveu-se com parâmetros normativos ao contrario da outra criança negligenciada onde se verifica o menor tamanho cerebral e consequentemente, uma rede neuronal mais deficitária.
Quando o cérebro se desenvolve sem que existam privações de maior dano, em principio, o desenvolvimento neuronal será realizado de forma salutar. No entanto, como referi, quando existem privações emocionais, afetivas, separações com figuras de suporte, traumas, a probabilidade de existirem atrasos no desenvolvimento é alta.
Depois da adoção, muitos estudos têm sidos feitos e muitas provas têm sido achadas, nomeadamente no que respeita ao poder curativo. Segundo Bruce Perry, um investigador nesta matéria, se o cérebro é complexo e tem em si o dom da plasticidade, o que pode ser bom ou mau, dependendo dos estímulos positivos ou negativos, ele também tem um poder enorme no que respeita à reparação do dano. A plasticidade cerebral é um processo muito especial, pois permite que após a adoção de uma criança e através de um trabalho árduo dos pais adotivos e toda a família envolvente exista a tal reparação. Se os pais forem criadores de um ambiente seguro e de confiança, com privilégio para estímulos positivos, o cérebro tem a capacidade para substituir aos danos anteriores e a referencia a experiências negativas por novos inputs, manifestando uma alta capacidade de mudança. Obviamente, este processo não é ilimitado e é necessário muito bom senso, resiliência, persistência e sobretudo tempo, para se poder gerir bem a ansiedade criada e a angustia e frustração instalada, mas de facto é possível.
É importante que os pais compreendam e aceitem, a necessidade de se manterem acompanhados por especialistas nessa matéria, pois muitos são os desafios e muito deve ser trabalhado com a família adotiva. É essencial que ocorra uma assimilação da informação e de como lidar com determinados desafios e posteriormente, seja feita a transmissão de forma segura e similar, por todos os membros que compõem a família e amigos (avós, tios, amigos mais chegados da família). O que acontece muitas vezes, é que os pais estão tão saturados e “massacrados” com o sistema que preferem afastar-se dele. Isto ocorre, pois estamos a falar da esfera intima e privada da família que é exposta numa fase inicial do processo, para que ocorra um acompanhamento de modo a perceber se o processo corre bem, e se algo deve ser ajustado ou não. Por vezes, torna-se importante e mais benéfico para as famílias procurarem ajuda fora dessas figuras mas que tragam uma mais valia, nomeadamente pessoas ligadas à área e que tenham experiência de terreno, conheçam bem a realidade da criança em acolhimento e os desafios durante todo o processo (antes, durante e depois). Pois facilita o modo como as pessoas expressam as suas duvidas, anseios, dificuldades criando-se assim abertura para um trabalho multidisciplinar e concertado com a família.
FC
Próximo evento sobre esta matéria:
A ADOÇÃO DA CRIANÇA VISTA POR DENTRO – Workshop | 27 de Maio de 2017 | 10h – Consulta de Programa e detalhes: A Adoção da Criança Vista Por Dentro – Workshop