Eram 14h30 de uma tarde chuvosa de 12 de janeiro. No consultório, o relógio na parede fazia-se ouvir num ritmo constante, quase como a batida de um coração tranquilo que se escutava ao longe. João, de 34 anos, estava sentado na ponta direta do sofá de três lugares de um tom suave a camel. Nervosamente a brincar com as suas mãos, o João não sabia bem o que sentir. Tinha ajeitado a almofada amarela do seu lado, pelo menos, duas vezes desde que se sentara.
Era a terceira sessão com a Dra. Mariana. A sua postura calma e acolhedora, tentava atenuar o desconforto que o João parecia trazer consigo. Apesar de ter saído de casa, apenas com um fato de treino azul-escuro vestido o João vestia ainda, um blusão para a chuva, e trazia no seu bolso esquerdo do casaco o telemóvel e as chaves de casa no bolso direito das calças. Mas esse peso estava lá, bem presente nos seus ombros. Calçava os seus ténis da Nike que em tempos, gostava de usar para correr ou caminhar no paredão, agora…nem por isso. O telemóvel estava sempre no silêncio e as suas duas chaves (uma da porta do prédio e outra do seu pequeno T1), presas a um pequeno cordel. Tal como as suas chaves, o João sentia-se pouco conectado com a sua vida e com o mundo à sua volta.
O João lutava com depressão há meses. Sentia-se preso num ciclo de tristeza profunda, como se estivesse a afogar no mar. Cada dia era uma luta para sair da cama, para enfrentar o mundo lá fora, para encontrar sentido nas coisas que outrora o faziam sorrir. Não conseguia compreender quando tudo começou. A Dra. Mariana observava-o com empatia, o seu olhar não o julgava, apenas acolhia. Dava-lhe tempo, um tempo que ele não queria. Um silêncio que para ele era constrangedor.
“Como se sente hoje, João?” perguntou ela, com uma voz quente e serena que preenchia a sala.
O João suspirou, sem desviar os olhos do chão. “Cansado… sempre tão cansado, Dra. Não vejo como as coisas possam melhorar. É como se tudo estivesse vazio. Como se a minha cabeça estivesse ora vazia, ora cheia de pensamentos. Não sei explicar”.
A Dra. Mariana ficou em silêncio por um momento, respeitando o espaço que ele precisava. Sabia que, por vezes, o silêncio era mais poderoso do que qualquer palavra que pudesse oferecer. Mas, ao mesmo tempo, não queria que o João se sentisse perdido nesse vazio.
“Entendo que o cansaço seja esmagador“, disse ela suavemente. “Mas o que o traz aqui hoje? Mesmo no meio desse cansaço e desta chuva, escolheu vir. Isso é importante“.
O João mexeu-se no sofá, voltou a ajeitar a almofada amarela, como se tentasse encontrar uma posição mais confortável, tanto no corpo como na mente. “Vim porque… porque não quero continuar a sentir-me assim. Só que não sei por onde começar. Nada parece fazer sentido na minha vida, na minha cabeça. Estou de baixa quando devia estar a criar pratos novos, a servir as pessoas. Sabe Dra. É a primeira vez que estou de baixa desde que comecei a trabalhar como Chefe no Hotel. Sinto vergonha! Sinto que estou a desiludir as pessoas que apostaram em mim! Sinto que os meus pais sentem que sou um falhado, que os desiludi. Sinto que não tenho ninguém, estou sozinho. Sinto-me perdido no mesmo lugar!“.
A Dra. Mariana assentiu. “Às vezes, não precisamos de saber todos os passos, João. Só precisamos de dar o primeiro. Que passo poderia ser possível dar hoje? Ainda que lhe possa parecer pequeno e insignificante. Pense um pouco, vamos lá, eu acredito em si, acredite também.”, com um sorriso acolhedor o João sentiu que não estava só…
O João ficou em silêncio por alguns segundos, refletindo. Desta vez não mexeu na almofada só olhou para ela, e disse: “Talvez… sair de casa, dar uma volta. Não sei. Parece insignificante, mas ao mesmo tempo, é um esforço tão grande. Por um lado, apetece-me voltar a pôr o despertador e acordar cedo, sair, ir correr, mas quando começo a pensar em tudo aquilo que preciso preparar para o fazer, parece-me tudo tão complicado e difícil que desisto! Deixo-me ficar no sofá quieto e em silêncio, durante horas. Perco a noção do tempo. Não quero saber.”.
“Acredite, sair de casa é um passo imenso quando se está onde o João está neste momento. E não é insignificante”, respondeu ela, com um sorriso encorajador. “Cada movimento conta. Está a cuidar de si ao reconhecer isso.“

O João olhou pela janela, as gotas de chuva escorrendo pelo vidro, como se refletissem o que ele sentia por dentro. Lá fora um dia de céu cinzento-escuro. Mas, pela primeira vez, em muito tempo, sentiu um pequeno fio de esperança. Talvez não soubesse como sair daquele mar agitado dos seus pensamentos, mas sabia que a Dra. Mariana estava lá, disposta a ajudá-lo a encontrar uma saída, um passo de cada vez…talvez, se acreditasse, talvez isso fosse importante.
“Vou tentar,” disse ele, com uma voz baixa, mas firme. E nesse simples «vou tentar», a Dra. Mariana soube que algo tinha começado a mudar. Pelo menos pareceu por instantes que o olhar do João não estava tão perdido, ainda que fosse só por um segundo. A Dra. Mariana acreditava no seu potencial e na sua capacidade, como acontecia com todos os seus clientes. Ela tinha a capacidade de agarrar-se a tudo o que eles diziam e faziam, uma frase, uma palavra, um gesto. Na sua forma de ser e estar, nas suas consultas de psicologia, ela acredita que tudo conta e tudo pode fazer a diferença. Ela era extraordinária a captar os detalhes e a aproveitá-los para recuperar, para injetar motivação e energia. O seu sorriso era acolhedor, o seu olhar sempre foi de empatia e a sua postura calma ajudava a criar um clima de confiança no seu consultório.
Naquele consultório, às 14h30 do dia 12 de janeiro, a chuva lá fora era um reflexo do que se passava dentro de João. Mas também, tal como a chuva, ela sabia que as nuvens iriam eventualmente dissipar-se. Tudo tinha o seu tempo. E o João, ainda que lentamente, estava a reencontrar o seu.
As personagens desta história são fictícias, mas a narrativa é real, baseada em factos. Por vezes, é preciso agarrar uma pequena coisa mesmo que pareça pouca ou insuficiente, pois «Roma não se fez num dia» e o caminho pode parecer doloroso e sim, é doloroso! É exigente e difícil, mas faz-se dando um passo de cada vez. Se está hesitante em procurar ajuda, se procurou ajuda e por qualquer razão não funcionou. Não desista, o mais importante não são os outros, é você.





